Foi um ano muito duro o de 2001; testou no limite nossa capacidade de suportar adversidades. Começamos enfrentando o rescaldo da doença da vaca-louca, passamos pela anomia da Argentina e a inviabilização do Mercosul, terminando com a guerra no Afeganistão. Também assistimos à quebra de empresas brasileiras tradicionais e sólidas, como a Soletur e a Transbrasil. Em nosso setor, o agropecuário, o evento mais importante foi o pedido de concordata da Fazendas Reunidas Boi Gordo.
Sou fundador da Boi Gordo, empresa que revolucionou o tradicional sistema de parceria de engorda, inserindo o setor pecuário no mercado financeiro. Em quase 13 anos atuando no mercado, prosperamos junto com todos os parceiros e investidores. Nesse tempo, a Boi Gordo resgatou todos os seus compromissos proporcionando lucros aos investidores. Mas também estamos em rigoroso inverno. E nossa única saída para que 2002 seja um ano bom para todos os nossos parceiros e investidores, é a união de todos em torno de uma nova missão, a reestruturação da Boi Gordo.
A dúvida que aflige a todos é como sair da concordata e retomar a prosperidade? Vamos aos fatos. A crise de liquidez da Boi Gordo começou em março de 2001, quando a Comissão de Valores Mobiliários, que foi chamada por nós para fiscalizar o mercado de parceria de engorda, mudou abruptamente as regras do jogo, sem nos dar tempo de adaptação. Pior, nos manteve por cinco meses proibidos de negociar novos contratos e ainda alimentava boatos contra a Boi Gordo através da imprensa. Resistimos heroicamente, por cinco longos meses, à corrida pelos resgates. Que banco privado brasileiro, por mais sólido e seguro que seja, resistiria tanto tempo sem ajuda? Nesse tempo, a Boi Gordo resgatou R$ 237 milhões em contratos. Sem vender um único novo contrato. Chegamos ao limite.
Em 15 de outubro fomos obrigados a pedir concordata preventiva. O processo está em andamento no município onde a empresa mantém sua principal atividade produtiva, Comodoro, Mato Grosso. Muitos investidores, principalmente os de São Paulo, reclamaram da distância. Mas assim rege a legislação brasileira: o Foro competente é aquele onde estão as principais garantias da empresa concordatária. O juiz precisa estar próximo das garantias para cuidar das mesmas com maior diligência.
Nesses dois meses, trabalhamos intensamente para encontrar uma saída. Naturalmente, muitas incertezas, temores e insegurança por parte dos investidores. Uma agradável surpresa é o apoio que estamos recebendo de milhares de parceiros, que se uniram a nós em busca de uma saída conjunta. Nosso maior problema, contudo, tem sido enfrentar uma rala minoria de oportunistas do mercado, que tentam tirar enormes lucros pessoais em detrimento da coletividade.
Enfrentamos os ataques de alguns escritórios de advocacia oportunistas, que criaram associações de credores somente para levar vantagem com a concordata. Ressalta-se que boa parte das associações estão abertas ao diálogo com a diretoria da Boi Gordo, buscando soluções conjuntas para a crise. Outras, contudo, funcionam somente como fachada. Inventam teses jurídicas absurdas e cobram adiantado do “associado”.
São teses baseadas no princípio do quanto pior melhor, cujo objetivo é criar um imbróglio jurídico para enriquecer advogados. Uma delas é a idéia de pedir a falência da empresa. Nem é necessário argumentar o quão absurda; só os ilustres jurisconsultos vão lucrar. Outra tese sem embasamento é tentar declarar a incompetência do Judiciário do Mato Grosso, estado onde se encontram mais de 90% da produção da empresa. A única conseqüência prática desse tipo de ação será atrasar o processamento da concordata, prejudicando os credores.
Há também a tese de tentar o arresto dos bens da empresa. Algumas liminares já foram concedidas pelo judiciário de Primeira Instância e a empresa está conseguindo rever a decisão na Segunda Instância. Se vingasse essa tese, significaria privilegiar um credor, ou um pequeno grupo de credores, em detrimento da grande maioria. Todo esse imbróglio só tem tido uma conseqüência prática: atrasar a concordata, prejudicando a empresa e todos os credores que esperam uma solução rápida.
Outro problema que estamos enfrentando é a pressão de alguns credores, que tentam antecipar o resgate de seus contratos, propondo acordos em surdina, em detrimento dos demais. Não cedemos a ninguém. Seria ilegal, seria criminoso. Empresa concordatária não pode privilegiar credor algum.
Só há uma saída para as crises, quaisquer que sejam elas, crises entre povos e nações, como a da Palestina, ou dentro de empresas privadas: é a união das partes em busca de uma saída que contemple a todos. Em novembro, um grupo de investidores apresentou um plano de reestruturação societária da empresa. Esse plano está em andamento, defendido pelos nossos maiores e mais antigos parceiros. Necessário, contudo, que 2002 seja lembrado como o Ano do Entendimento e da Concórdia. Desta forma, dentro de 12 meses será possível a cada um de nós almejar não apenas um “Feliz Natal”, mas também um “Próspero 2003”.
POSITIVAMENTE
Paulo Roberto de Andrade.